sexta-feira, 6 de junho de 2008

De Nelson Rodrigues para Antonio Athayde

Por RICARDO PEDREIRA**

Meu caro Tatá (desculpe a intimidade, mas seu pai, aqui a meu lado, me disse que alguns amigos lhe tratam dessa forma),

Saudações tricolores!

Do alto, vi o estádio Mário Filho – não me conformo em chamá-lo de Maracanã – coberto por uma nuvem de pó-de-arroz que já prenunciava o momento da glória.

Observei sua figura nervosa e de mãos crispadas, qual uma Maria temendo pela morte do Filho no calvário, e tentei lhe avisar que não havia motivo para temores. Mas você só tinha olhos para os Tiagos e Cia. e ouvidos para os urros alucinados das paixões milenares. Não me viu, não me ouviu. Calei-me, resignando-me ao silêncio respeitoso dos que sabem, na carne e na alma, que você vivia a angústia antecipatória das vitórias deslumbrantes.

O Rio de Janeiro estava parado, cálido como no Fla-Flu de 19.

Pouco antes do jogo, no Andaraí, um defunto carregado em féretro – onde três viúvas jorravam lágrimas de crocodilo - quis tirar o lenço que lhe amarrava o queixo e gritar: "Neeense!"

Mas você, homem incréu, duvidava daquilo que estava escrito há quatro mil anos! Minto. Duvidava daquilo que estava escrito antes do nada! Meu doce Otto, que bovinamente acompanhava minha vigília diante do seu atordoamento, recomendou-me generosidade e paciência: "conheço esse rapaz. Sempre quis tudo logo..."

Veio o primeiro tempo e seu silêncio, Antonio, parecia rachar catedrais. De fato, Washington não poderia ter perdido aquele gol logo no início! Veio o segundo tempo e o Palermo, com saúde de miúra dos pampas, fulminou nosso Fernando Henrique com a eficiência de um espadachim.

Sua pressão, meu caro amigo havia subido. Confesso que temi pelo pior. Em São Paulo, Isa pensava em Gonçalves e nos momentos de felicidade. Não seria justo.

Mas o caminho da glória se abriu, como o Mar Vermelho diante de Moisés. Washington se redimiu naquela falta primorosa, de fazer inveja a Riquelme. Conca confirmou a certeza absoluta, própria dos heróis de Dostoievski, de que os grandes precisam da sorte. E Dodô – veja que o nome e o sorriso desse rapaz parecem um doce da Vila Campista - selou a carta remetida por forças maiores.

Não importam os lances de perigo do Boca. Alguns idiotas da objetividade pediram para que eu visse o vídeo-tape do jogo e verificasse os momentos em que os sangüíneos argentinos quase nos liquidaram. Respondi impávido: o vídeo-tape é burro!

Gravatinha sorriu, de peito inflado como uma pomba da paz.

Assistimos ontem, você, eu e a nação tricolor, um momento de eternidade. Vamos guardá-lo na memória, como tesouro que foi.

Mas é hora de calçar as sandálias da humildade! Alucinado, como o velho Lobo, Telê diz aqui a meu lado: "só faltam dois!" Calma. Calcemos as sandálias! Onde estão as sandálias?

Recuso-me, agora, a consultar os oráculos. Quero a ignorância do crioulões em flor! O que importa, meu caro Antonio, é uma torcida como essa que vi você fazer no Mário Filho.

Vamos chegar a Tóquio, passando primeiro pela linha do Equador!

Saudações tricolores,

do Nelson

*Antonio Athayde é das melhores cabeças do mundo da comunicação no Brasil e filho de Austregésilo de Athayde, jornalista e escritor que presidiu a Academia Brasileira de Letras.

**Ricardo Pedreira é editor do jornal da Associação Nacional dos Jornais (ANJ).

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